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Viúva antes dos 30

  • Foto do escritor: Bitten Magazine
    Bitten Magazine
  • 31 de jan. de 2019
  • 4 min de leitura

Esta semana, no dia da saudade, entrevistámos Guiomar Fernandes, uma mãe lutadora que, há cerca de cinco anos, perdeu o marido num fatídico acidente.

Sozinha ficou com dois filhos, em cujos olhos via os do seu amor de infância. Foi um momento avassalador, que marcou e mudou a sua vida de forma drástica. No dia em que o seu marido morreu, uma parte dela morreu com ele.

Ficaram planos por concretizar, uma família desfeita e um vazio que, ainda hoje, não consegue preencher. Leia a história, contada na primeira pessoa. - Guiomar, antes de falarmos do tão triste acontecimento que nos trouxe aqui, partilhe connosco como conheceu o Jaime.

Eu e o Jaime crescemos juntos. Na mesma cidade, na mesma rua e, inclusivamente, no mesmo prédio: as nossas mães eram amigas. Distávamos apenas dois anos de idade um do outro. Ele, mais velho, cuidava de mim. Acho que sentia necessidade de me proteger.

Quando chegámos à adolescência, era inevitável reparar no quão belo o meu Jaime se tinha tornado. Era moreno, olhos verdes, alto e praticava desporto. Sentia-me atraída, em segredo, com medo de que uma confissão arruinasse a nossa amizade de longa data. Um dia, fomos ao cinema e ele pegou-me na mão. A partir desse momento, segurou-me para sempre e, apesar de o ter perdido, ainda hoje me segura.

Casámos jovens, logo após termos concluído os estudos. O nosso Miguel nasceu um ano depois e o Francisco passados três. Éramos felizes e vivíamos um sonho, até ao dia em que a realidade se tornou brutal. Nunca mais me vou esquecer da noite em que recebi a notícia da sua morte.

- O que sentiu quando soube que o seu marido tinha falecido?

Estava grávida do meu terceiro filho, uma menina. Faltavam apenas três semanas para ela nascer. No fim da gravidez comecei a ter contrações e a médica mandou-me ficar em casa, por isso, em casa passava eu os dias, geralmente sentada no sofá, a ver um filme e à espera que o Jaime regressasse do trabalho. Era inverno e, naquele dia em particular, chovia torrencialmente. Comecei a ficar preocupada. Raramente se atrasava, muito menos sem avisar.

Ligava-lhe e não atendia. No fundo, pressenti que algo errado se tinha passado e confirmei-o com a chamada de um médico. Peguei no Miguel e no Francisco e conduzi, lavada em lágrimas. O acidente foi grave e, segundo o que me tinham dito, grave era o seu estado. Conseguia sentir a bebé “aos saltos” na minha barriga e ela sentia o batimento acelerado do meu coração. Quando cheguei ao hospital, deram-me a notícia de que o Jaime tinha morrido. Não consigo descrever a dor que senti naquele momento, mas o choque foi tão grande e tão intenso que desmaiei.

Lembro-me de acordar numa cama, a soro, e de ver a minha mãe a chorar abraçada ao meu pai. Lembro-me também de já não sentir a minha filha na barriga. O meu mundo desabou em apenas umas horas.

- Depois desse dia, como foi a sua vida?

Após esse dia, deixe de viver. Entrei em depressão. Perdi o emprego. Os meus filhos foram morar com os avós e eu passava o dia fechada em casa, às escuras, sem comer. Não queria estar com ninguém. Entreguei-me a uma solidão só minha. Não é fácil perder duas pessoas que amamos no mesmo dia e ter de lidar com isso. Confesso que pensei, muitas vezes, no suicídio.

Meses depois, recebi a visita da minha irmã. Veio propositadamente da Escócia, a pedido da minha mãe, que lhe ligou, em desespero, sem saber o que mais fazer para me ajudar. Levou-me a um psicólogo, comecei a frequentar um grupo de ajuda e, claro, a tomar antidepressivos. Aos poucos fui melhorando, afinal, tinha dois filhos pequenos que precisavam de mim.

- E agora, como é a sua vida?

Voltei a trabalhar e a ter uma rotina. Entretanto também mudei de casa – precisava de um sítio limpo de memórias. Inscrevi-me num ginásio e corro, corro bastante. O exercício ajuda a libertar da mente todos os sentimentos menos bons que ainda tenho dentro de mim.

Tenho momentos profundos de tristeza, outros de raiva. Não consigo perceber porque é que algo assim me aconteceu. Tinha tudo e, de um momento para o outro, fiquei sem nada. Agora estou num processo de descoberta… de quem sou eu sem o Jaime.


Os meus filhos são a minha prioridade. Tento apoiá-los da melhor forma. Afinal, perderam o pai e, por momentos, a mãe. Sofreram muito com isso, apesar de não mo dizerem. São pequenos, mas conscientes e, certamente, que também irão ficar marcados com tudo o que se passou. Por eles, lamento, mais do que por mim.

- Ainda acredita no amor?

Neste momento, não estou preparada para amar. Sei que sou jovem, mas não está nos meus planos. A relação que tive cresceu comigo. Fazíamos parte um do outro. Aprendi a gostar de uma pessoa, conhecendo os seus piores defeitos e as maiores qualidades. Tínhamos uma cumplicidade pura e rara. Não acredito que consiga encontrar algo semelhante, nem quero.

Vejo-me mais focada em mim e no meu crescimento pessoal e profissional do que num relacionamento com alguém. Esse é um dos meus objetivos. O outro é ser uma mãe presente e proporcionar ao Miguel e ao Francisco momentos de felicidade, vê-los crescer com saúde e ajudá-los a conquistar coisas boas.

O que aconteceu ainda mexe comigo. Encontro, todos os dias, formas de afastar a nuvem negra que paira sobre mim desde aquela noite. Tenho saudades de ser genuinamente feliz, de dar uma gargalhada sincera e de conseguir relaxar, mas agora aceito isso de uma forma mais natural. Tenho saudades do Jaime, do seu calor, do seu bom humor… tenho saudades de ser eu própria.

 
 
 

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