Viajei para me encontrar
- Bitten Magazine
- 3 de fev. de 2019
- 4 min de leitura

Vivemos num mundo com as fronteiras cada vez mais ténues. Somos dele e uns dos outros. A tecnologia e a facilidade com que nos deslocamos entre países estreitou o conhecimento que temos daquilo que se encontra para além do sítio onde nascemos.
Conhecer outras culturas e outras gentes é essencial para o nosso progresso. Há quem diga que viajar é um investimento, em nós-próprios, e alguns especialistas defendem que, pelo menos uma vez por ano, devemos aventurar-nos e conhecer um novo lugar. Parece difícil, mas não é impossível, pelo menos para alguns.
Gastamos tanto dinheiro em coisas fúteis, de que não precisamos, em vícios que nos fazem mal e a frequentar sítios que nada nos acrescentam. Porque não restringir alguns desses hábitos e poupar para umas férias? Não é fácil mudar, nós sabemos, por isso fomos conversar com alguém que o fez, para aprofundarmos este processo tão complexo, que é evoluir enquanto pessoa.
- Tiago, conte-nos: quando e porque é que decidiu fazer esta viagem?
Há uns anos, li um livro espetacular: “o monge que vendeu o seu Ferrari”. Eu não vendi o meu Ferrari, porque na altura tinha um Renault, mas, no ano passado, ainda inspirado por aquelas palavras que havia lido, decidi tirar uns meses para mim e viajar. Fi-lo porque podia - nem todos têm essa possibilidade.
Vivia um cliché: casa, trabalho, trabalho casa. Nunca casei, nem tempo tinha para tal coisa. Aliás, desde os meus 20 anos que não tinha um encontro apropriado. Namoriscava (se assim lhe posso chamar), por aqui e por ali, mas sem grandes romantismos. Sentia-me a estagnar, a definhar, esgotado. Sentia-me vazio.
Como tenho uma empresa, não precisei de pedir demissão. Contratei uma pessoa para a gerir na minha ausência, rodei o globo e o destino destinou-me a exótica Índia, o que não deixa de ser curioso. Comprei um bilhete de imediato e, dois dias depois, estava a levantar voo.
- Qual foi a primeira coisa que viu quando lá chegou?
A primeira coisa não foi vista, mas sim sentida. Senti-me logo diferente, mais leve e com uma enorme vontade de descobrir e de me descobrir. Depois, deixei-me envolver por todo aquele mar de estímulos a que não estava habituado: cheiros, cores, rostos distintos, trânsito intenso, uma arquitetura envolvente e uma língua que, por não a compreender, era somente um embalo sonoro, que me transportava para um estado de espírito calmo, mesmo que rodeado por toda aquela azáfama.
Li muitas coisas sobre a Índia antes de viajar: uma delas é que era o segundo país mais populoso do mundo (agora percebo porquê). Fiquei deslumbrado com a diversidade de etnias e impressionado com a quantidade de idiomas e dialetos existentes.
As pessoas têm uma beleza única, trajam de forma eclética, mas são todas muito disponíveis e amáveis. Caminham ladeadas por animais, porque os respeitam e admiram. Ali valorizam-se todas as formas de vida, com simplicidade.
- Quais foram as coisas que mais o impressionaram nesta cultura?
Não foram certamente aquelas coisas que vemos na internet, como os tuk-tuks, os mercados e os monumentos. Acho que vemos tantas imagens que tudo aquilo se torna familiar em nós, mesmo sem nunca o termos presenciado. Marcou-me a comida. É simplesmente divinal. Por mais que queiramos, não conseguimos reproduzi-la. As especiarias têm uma qualidade surpreendente. São intensas e despertam mil e uma sensações através do paladar.
Tudo era diferente do que havia experienciado em Portugal. Na maior parte das vezes, nem sabia ao certo o que estava a comer, mas era, sem dúvida, delicioso. Posso dizer que me atrevi a provar um prato vegetariano e adorei. Aliás, gostei tanto que, quando regressei a casa, já nem quis outra coisa. Aprofundei o tema e eliminei completamente a carne da minha alimentação. Foi também assim que descobri a alimentação ayurveda.
Passo a explicar: ayurveda é a chamada “ciência da vida”, podendo a sua definição ser sintetizada como uma forma de manter a saúde, através do equilíbrio dos cinco elementos que existem na natureza e em nós. Isto aplica-se também à comida. Se antes as minhas refeições era feitas à base de pratos rápidos e poucos saudáveis, hoje, posso afirmar que como de forma consciente e que isso me proporciona um bem-estar físico indescritível.
- E a sua forma de ser, mudou?
Sim, claro. Primeiro mudei as minhas rotinas, à luz do que os meus olhos haviam aprendido na Índia. Libertei-me de tudo aquilo que não me fazia falta: roupas, objetos, tabaco, álcool, pessoas tóxicas, rancores, frustrações e ódios. Mais leve, conseguia expressar uma calma surpreendente sobre as adversidades que se atravessavam no meu caminho.
Estou mais calmo, mais amável, mais disponível. Inclusivamente permiti-me amar, não só aos outros como a mim próprio. No fundo, não me encontrei por ter ido à Índia, mas ir lá permitiu que tivesse tempo para desencadear esse processo. Permitiu que saísse da realidade em que vivia: demasiado autocentrado.
Conhecer aquele povo e a sua forma de pensar, tão diferente daquela que nos é ensinada desde que nascemos, foi uma inspiração. É inegável que são muito evoluídos a nível espiritual e tudo isso porque não se focam nos aspetos materiais da vida.
- Como se vê daqui a cinco anos?
Ainda não o tinha mencionado, mas a gestão da minha empresa continua entregue à pessoa que contratei antes de viajar. Depois da minha experiência, não conseguia voltar a vestir fato e gravata e a trabalhar oito, nove, dez, às vezes onze horas num escritório. Vou abrir outro negócio, em breve, na área da hotelaria e restauração, com um conceito exótico e inspirado naquilo que aprendi. Mais uma vez, fi-lo porque, felizmente, podia. E por isso estou grato.
Daqui a cinco anos vejo-me ainda mais grato, por ter tido coragem para ser uma versão melhorada de mim próprio, por ter procurado evoluir e por ter tido a oportunidade de me rodear de coisas que realmente são dignas de dedicação.
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