Quando um amor acaba... e outro começa
- Bitten Magazine
- 18 de fev. de 2019
- 4 min de leitura

Para celebrar o dia de São Valentim, nada melhor do que uma bonita história de amor, mas, a verdade, é que todas as histórias de amor têm um lado menos belo e foi isso que quisemos dissertar na entrevista com Luís Miguel.
Descubra o que ele sentiu quando os seus olhos se cruzaram pela primeira vez com os do seu atual companheiro, um acontecimento que o impactou com intensidade tal que decidiu mudar a sua vida por completo.
Sem preconceitos e sem julgamentos, leia e apaixone-se!
- Conte-nos, Luís, como conheceu o Diogo?
Conheci o Diogo de forma banal. Num café. Num café onde tomava o pequeno-almoço, todas as manhãs, antes de ir trabalhar. Um dia, lá estava ele. Foi a primeira vez que me senti verdadeiramente atraído por um homem. Vi-o e, naquele momento, tive todas as certezas do mundo. Certezas que nunca havia tido. Aquela pessoa, tão singela, despertou algo em mim.
Sabia que estava prestes a mudar a minha vida, mas não tinha medo. Não tive medo porque, quando se tem a certeza absoluta de algo, a coragem flui de forma tão natural como respirar.
Não o abordei com uma conversa. Apenas escrevi o meu número no talão e entreguei-lho, afinal, para bom entendedor, uma ação basta. Naquele momento, entreguei também o meu coração. Passados alguns dias, recebi uma chamada anónima. Era o Diogo, ou talvez o destino.
- O que aconteceu depois dessa chamada?
Combinámos encontrar-nos no mesmo café. Fomos direitos, sem nenhum tipo de rodeios. A idade faz-nos sentir que pouco há a perder. Nesse tarde, sim, falámos durante horas. Sobre nós, sobre a vida, sobre o futuro. Disse-lhe que queria que ele fosse o meu futuro, mas que primeiro tinha de resolver o presente.
Casei-me novo, com 18 anos. Foram os meus pais que me apresentaram a Ana. Na altura, trabalhava como mecânico e ela, ligeiramente mais velha do que eu, como enfermeira. Fomos viver juntos e, um ano depois, nasceu o nosso primeiro filho. Hoje, em comum, temos 3.
O casamento foi pacato, sem grandes paixões. Éramos amigos, entendíamos-mos e isso foi suficiente para estarmos casados quase 35 anos. Trabalhávamos muito. Nos fins-de-semana fazíamos alguns programas em família e os filhos eram o centro das nossas atenções, talvez porque isso nos libertava de ter de olhar um para o outro. Entretanto eles formaram-se, casaram, saíram de casa e nós ficámos sozinhos, com um sentimento de vazio e com um vazio entre nós.
A verdade é que nunca construímos nada enquanto casal. Não viajámos, não tínhamos hobbies em comum, nem sequer partilhávamos os mesmos interesses. Vivemos voltados para os outros e nunca um para o outro. Agora percebo porquê: era eu. Fui eu que nunca a vi como era suposto ver e a Ana sentia isso.
Depois dessa chamada, e depois de me encontrar algumas vezes com o Diogo, foi terrível, confesso. Nunca achei que iria ser fácil, mas o processo complexificou-se de uma forma inimaginável.
- Como reagiu a sua família à notícia?
Bem, na verdade, foram duas notícias: a que me queria separar e o motivo da minha decisão. Nunca em 53 anos tinha dado sinais de que me sentia atraído pelo sexo oposto. Aliás, nem eu tinha percebido muito bem, apesar de que já tenho revivido mentalmente algumas situações e estas eram alertas a que nunca dei importância. Anulei-me.
Reagiram mal, muito mal. Foi um choque para todos. Primeiro porque nasci numa família conservadora, onde tanto o divórcio como a homossexualidade sempre foram tabu. Depois porque foi completamente inesperado. Nem eu esperava por uma coisa destas, quando mais a minha mulher, filhos e pais.
- Se pudesse, voltaria atrás?
Os meus filhos Hugo e o Vasco não me falam. A Helena envia-me uma mensagem no Natal e aniversário… Os meus pais também não me retornam chamadas e da minha ex-mulher nunca mais soube nada desde o dia em que assinámos os papéis do divórcio.
Tenho muita pena, mas não voltaria atrás. Voltar atrás significava viver uma vida de mentiras, infeliz, e fazer as pessoas que amo infelizes. Fiz uma escolha. Voltava a fazê-la. Não me considero egoísta. Acredito que, pela primeira vez, agi com consciência do que queria para mim. Amar alguém e obrigar essa pessoa a viver apenas com uma pequena parte de nós é fazer completamente o oposto do que apregoa o sentimento. A Ana é uma boa mulher, com um bom coração. Merece um homem que a estime e que a acompanhe. Esse homem não era eu.
Com o Diogo sou outra pessoa. Sinto-me completo, realizado. Fazemos imensas coisas juntos. Saímos, vamos a espetáculos, conhecemos sítios novos. Sorrio, com vontade. Redescobri-me. Claro que sinto saudades dos meus filhos, da minha outra família. No fundo, convivi com eles mais tempo do que comigo próprio. Não estou à espera que me perdoem nem que me aceitem. Não há nada para perdoar. Se os fiz sofrer com a minha decisão, também eu sofri. Mas preferi desta forma do que mentir e andar a viver uma vida dupla. Isso, sim, seria condenável.
Não vou impor a minha presença a ninguém, mas não nego o desgosto de estar a perder o crescimento dos meus netos. Nem sequer me deixaram conhecer a pequena Alice. Já tentei compor a situação. Agora, é esperar que um dia eles queiram fazer o mesmo, se não quiserem, ficarei profundamente triste, mas, pelo menos, não estou sozinho. Amo como nunca amei e isso vale muito.
Pensando melhor na sua pergunta… sim, se pudesse, voltava atrás, muitos anos. Não me casava tão novo, vivia mais. Provavelmente tinha-me descoberto. Ninguém deve querer descobrir outra pessoa, antes de se descobrir a si próprio. Contudo, não me martirizo. Tudo a seu tempo, é o que sempre digo, e se demorou todo este tempo, é porque foi necessário.
Errei, aprendi, maturei. Mudei: de caminho, enquanto pessoa, alguém. Para melhor, para pior? Não interessa. Agi e conquistei o que muitos desejam: a tranquilidade. Sou feliz porque mo permiti ser. Nada vale mais do que a nossa paz de espírito e estar em paz significa ser fiel ao que queremos, estabelecer objetivos e cumpri-los, mesmo que isso nos traga um sabor amargo. Amarguras? Tenho algumas, já vo-las contei, mas foram elas que me permitiram ser mais doce, como sou hoje, com o Diogo.
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